Embarco dia 20 de Fevereiro.
1 Ano fora do Brasil, 6 meses de Angola. Fechamento de um ciclo.
Finalizações completadas, despedidas, saudades.
Uma mistura de tantas emoções e sentimentos, tantas derrotas, experiências e conquistas. Tanto de tudo. Tristeza, alegria, frustração, decepção, descobrimentos.
Como expressar isso tudo em linhas?
Um povo que mesmo diante da miséria e da guerra, não perdeu, não perde a esperança. A vida continua, os sonhos continuam. Talvez falte contestação, indignação por parte dos angolanos diante das disparidades e indiferenças que eles encaram todos os dias. Mas dizem: “É mesmo assim…”
Tantas coisas ainda a serem feitas e melhoradas, em um país que teve seu PIB em 2004 na ordem dos 23 bilhões de dólares!

Aprendi muito nesses 6 meses, muita paciência, lidar com adversidades (como controlar uma sala de aula com alunos que não puderam almoçar ou jantar por falta de água?), aceitação das diferenças culturais que para mim, brasileira, são um absurdo (como lidar com o conhecimento de que suas alunas casadas apanham dos maridos e acham isso normal? Ou que as suas alunas solteiras precisam arrumar “amigo” para lhes pagar as coisas que elas querem e não podem ter? Ou que seus alunos digam que uma mulher só é pouco e que 3 filhos só também é pouco? Ou ouvir de algumas mulheres e homens que deve-se ter 6 ou 7 filhos, pois se alguns morrerem ainda tem os outros?), lidar com a morte de uma forma natural (a morte está presente todos os dias em todas as famílias), lidar com doenças (também presente todos os dias). Como manter a cabeça fria nessas situações? Confesso que no começo sofri, chorei, para mim eram muito intensos os fatos, os novos conhecimentos. Muito “pensar criticamente” a condição das mulheres e as desigualdades de género, que aqui são absolutamente visíveis a quaisquer olhos de fora!
Importante foi a não comparação. Não há como comparar o Brasil, ou os Estados Unidos, ou a Argentina com Angola. Como? Angola passou por 27 anos de guerra civil! Acabou há apenas 4 anos, praticamente todas as infra-estruturas destruídas, a corrupção correndo solta, o dinheiro (muito!) indo apenas para os que tem! Sistema educacional, de saúde colapsados. Falta de pessoal especializado, falta de material, falta de livros! Os livros aqui são absurdamente caros! Um livro que no Brasil custaria 30 ou 40 reais, aqui custa 50 ou 60 DOLARES!!!! No hospital público se não paga a famosa gasosa não é atendido, ou é muito mal atendido.

A felicidade com um simples gesto, com um simples carinho! Como eles ficam felizes, é tão gratificante! Qualquer coisa, um abraço, um sorriso, um lápis! Motivo para um sorriso feliz, para olhos brilhantes. Aprender a apreciar as pequenas coisas, as coisas que nós, na correria do dia a dia não temos tempo, não temos interesse, não pensamos. Como é valorosa ter uma folha branca para escrever! A chuva que enche os baldes de água! O arroz com feijão diário! A criança que chama o seu nome (como ela sabe o meu nome?) ao ver você passear pela vila, e sorri feliz quando você acena. O céu enorme, uma imensidão sem fim, cheio de estrelas. A inocência que ainda existe nas pessoas, apesar da guerra e do sofrimento. O perdão desapercebido, quando eles ficam bravos comigo (porque eu dei uma bronca, dei uma prova, falei coisas que eles não gostaram, não deixei eles pegarem isso ou aquilo), mas no minuto seguinte já estão sorrindo novamente. A curiosidade sobre como é o mundo lá fora, o Brasil, os Estados Unidos.

Mais que tudo aqui em Angola, passei a pensar mais e a questionar mais sobre o Brasil. As diferenças culturais, as misturas, as desigualdades, a violência, o racismo, a corrupção. Os “por quês” e os “comos” que nos perguntamos diariamente, ou quando temos tempo para pensar sobre isso, mas nunca obtemos uma resposta. O Brasil com suas belezas e com suas disparidades. Um desejo e uma vontade de me integrar mais profundamente no que é o Brasil de verdade, de conhecer as caras, de descobri-lo. É como dizem, que as vezes a vida da voltas para percebermos que o nosso lugar seja talvez no ponto de partida. Mas as experiências adquiridas ao longo das voltas que dei e que darei serão, provavelmente, as necessárias para o meu “brasileiramento”.
Finalizo essa etapa, com trecho de uma música cantada pela Ana Carolina e o Seu Jorge:
“Mas tenho ainda muita coisa pra arrumar, promessas que me fiz e que ainda não cumpri, palavras me aguardam o tempo exato pra falar, coisas minhas, talvez você nem queira ouvir… Vou deixar a rua me levar…”

Foi lindo, foi triste, tenho meu coração conectado a Angola, às pessoas que conheci aqui, aos meus alunos e alunas, aos professores e professoras, a Quena e a sua família e aos demais que fizeram parte de tudo o que vivi. Um especial carinho e admiração ao Iwan que fez parte de tudo isso comigo, me apoiou nas horas de aperto e me empurrou para a frente quando eu precisava ser empurrada. Parto já com saudades, sem saber direito que sentimento é esse, uma mistura de perda e de ganhos imensos.

Queria agradecer as pessoas que de longe me apoiaram no caminho, aos que me acompanharam através do blog, ao meu namorado que já passou por isso e sabe exatamente sobre o que eu estou falando e sentindo, e especialmente a minha querida família, a coisa mais especial e importante que tenho nesse mundo.
E-mail: gabileisbalsa@hotmail.com