Embaixo do céu de Angola

Um diario, tentando expressar sensacoes, pensamentos. Sentimentos tentando ser traduzidos. Textos, vida, diário, poesia. Um pouco de mim.

Wednesday, September 27, 2006

 

Quem pode julgar?



A vida aqui, a vida aqui tem uma tristeza no ar constante. As pessoas vivem, estão felizes com o final da guerra, estão esperançosas com a oportunidade de um futuro melhor. Mas o coração ainda traz feridas, ainda traz mágoas, ainda chora, ainda tem medo.

Conversando com um “miúdo” da turma de 2006, por volta de 21 anos, descobri que seu pai foi morto por um dos exércitos (UNITA ou MPLA), mas ironicamente, pelo exército por qual o pai lutava. Também me contou, que quando tinha por volta de 13 ou 14 anos, estava em um caminhão com outras crianças, fugindo da guerra. Esse caminhão foi atacado, mataram o motorista a tiros, o caminhão capotou. Ele disse: “Muitas pessoas morreram, eu tive sorte, só fiquei com um problema no coração. Ás vezes tenho dificuldade para respirar, é o coração.” Ele tem muito, muito medo mesmo de que ocorram eleições o ano que vem e que com o resultado estoure a guerra outra vez. Pude ver o terror em seus olhos, o cansaço. Ele quer estudar, quer ser professor, quer ser alguém na vida e agora as oportunidades aparecem para ele, mas percebi que ele tem sempre a impressão ou está sempre a espera de que isso acabe novamente.

Também descobri que na guerra, na verdade não existia a oportunidade de você escolher em que lado gostaria de lutar. Se do lado do MPLA, apoiado pela URSS e Cuba, ou do lado da UNITA, apoiada pelos EUA e África do Sul. Os exércitos invadiam as cidades, te pegavam, punham uma arma na sua mão e você era obrigado a tomar o lado desse ou daquele exército. E não poderia a partir trocar de lado, pois seria assassinado pelo outro.
Um dos professores da EPF me contou, que não há pessoa aqui em Angola, maior de 25 anos que não tenha pego numa arma, que não tenha matado alguém. Não era opção, era imposição. Ele tem a minha idade, 33 anos. Sua vida inteira foi no meio da guerra. Viu o pai ser assassinado na frente dele, sobre as irmãs e a mãe ele apenas disse: “Você não sabe o que eu vi acontecer com minhas irmãs e minha mãe”. Me contou que quando os exércitos invadiam as vilas ou cidades eles pegavam os meninos para carregadores ou escudos humanos e as meninas para esposa (na verdade, estupravam as meninas e ficavam com elas até se cansarem, depois ou largavam ou matavam). Os homens eram ou assassinados ou obrigados a lutar e as mulheres estupradas ou mortas. Davam uma arma para eles e falavam que a arma a partir daquele momento seria a casa, a comida e a vida deles. Eles passavam a agir como agiram com eles. Estuprando e matando. Me mostrou o corpo cheio de marcas de balas. Me falou que fez com os outros o que fizeram com ele e com a família.

Crianças usadas como escudos humanos, sendo estupradas! Pessoas sendo assassinadas, crianças sendo sequestradas. Perguntei se ele hoje achava que isso era certo, ele disse que não, mas que na época, como condenar como pensar em moral, em abusos. Era a guerra!

A princípio me choquei, fiquei horrorizada. Mas quem sou eu para julgar? Nunca vivi a guerra, nunca passei por uma situação tão monstruosa, onde não existe certo ou errado, onde não existe moral, onde não existe lei. Onde as circunstâncias e as escolhas são impostas não escolhidas. Onde há ódio. Pois a cúpula dos exércitos lutava por uma ideologia, mas os soldados lutavam por rancor, por vingança, sentimento semeado pela cúpula dos exércitos, para que seus “soldados” (homens, mulheres e crianças) fossem máquinas de matar.

Quem julga? Quem condena? Para mim, fica um sentimento de impotência, de tristeza, de uma realidade difícil de ser entendida, mas também difícil de ser julgada.

 

Imagens Cotidianas...











 

O que ando fazendo...





Escrito em 20 de Setembro de 2006



“Sinto-me orgulhoso de ser Africano
Meus antepassados todos nasceram aqui
Filho legítimo, do mundo Rainha
Minha África, oiê, oiê
Angola oiê oiê oiê
Moçambique ooiê, oiê, oiê
Zimbabwe oiê, oiê, oiê
Malawi ooiê, oiê, oiê
De Cabinda ao Cunene
Um só povo, uma só nação
Viva Angola, Viva Moçambique
Minha Africa, oiê, oiê”

Bom, por aqui tudo indo bem. Agora parece ter começado a época dos mosquitos. Muitos!!! Sempre de manhã e à noite. E são os mais perigosos, pois podem transmitir a malária. Malária! Também parece ter começado um surto. Já temos 5 pessoas em casa devido a ela. E o mosquito transmissor transmite porque picou alguém que já estava infectado. Tento ser a mais cuidadosa possível, vestindo sempre ténis, calça comprida e manga comprida nesses horários e dormindo com o mosquiteiro, além de repelente. Mas é inevitável levar algumas picadas, não tem como não ser picado algumas vezes ao dia.

Minhas funções estão indo bem. Tenho dado aulas de ciências. Mas agora não darei mais essa matéria específica. Darei as matérias sobre o mundo, sobre o Paulo Freire e muito provavelmente serei uma das professoras da matéria “Porta-voz da Mulher”. Os estudantes que estão no 5º período terão um tópico, a partir de Outubro, que é chamado a 2ª cabeça do professor, onde eles escolhem uma especialização em: líder comunitário, porta-voz da mulher, agente de saúde, empreendedor.

Para além de professores primários, eles estarão também capacitados para atuarem diretamente no desenvolvimento e melhoria das comunidades em que serão inseridos e essas especializações tem por objetivo complementar a educação e a desenvoltura dos estudantes.

Também estou participando das parcerias. Todas as quartas-feiras saio da escola junto do meu Project Leader Jesper e vamos nas empresas na cidade de Luanda buscar parcerias para a manutenção da escola.
Também estou responsável pelo jornal da escola, junto aos estudantes, que estamos tentando reativar. Tarefa difícil, decidir matérias, escrever, fotos, etc. Se tudo der certo sairá a semana que vem.

Eu e o Iwan, que é outro voluntário que está aqui em Ramiro comigo, estamos nos dando bem. Nossas atividades não são muito ligadas, o que também ajuda dando uma certa liberdade para cada um agir do modo que acha mais conveniente. Agora, perguntem, por favor… Da onde é o Iwan? Adivinhem?
ARGENTINA! Pode uma coisa dessas? Para onde eu vou, me enrosco com Argentinos!! O que pode ser isso? Sina? Ou muita sorte?

Temos ido juntos a vila do Ramiro durante a semana, são mais ou menos 4 quilômetros, é uma boa caminhada pela praia, mangue, flamingos. Muito bom. Lá estamos encontrando as pessoas e crianças locais que são bem alegres e receptivas. O Iwan é um ótimo relações públicas e muito engraçado.

Temos comprado muitas “pilinhas” lá no Ramiro. São doces, massa frita com coco ralado por cima. No Brasil costuma-se comer com açúcar e canela. São bem boas.

Bom, o que mais irrita por aqui é a falta de liberdade que eu e o Iwan temos. Não podemos ir a nenhum lugar sozinhos, temos que pedir autorização para tudo que formos fazer fora da escola e mesmo assim, só podemos ir se formos acompanhados por alguém e de preferência sem pegar táxi (táxi aqui é uma van que transporta 30 pessoas onde só cabem 10), pois é muito perigoso. Realmente esses táxis têm um estado lastimável e todas as vezes que eu saio da escola, sempre encontrei acidentes pelo caminho. O motorista por aqui, tanto faz de táxi, de carro, de autocarro (ônibus) é muito imprudente.

Então estamos um pouco irritados com a situação, afinal sabemos que todos os outros voluntários que passaram por aqui iam para todos os cantos, escondidos. E também mentiam, falavam que iriam a vila do Ramiro e chegando lá pegavam um táxi ou carona para outros lugares. Mas eu tenho 33 anos e o Iwan 37! Agir como adolescentes não é exatamente o que eu gostaria numa hora dessas da minha vida, sei lá…

Final de semana passado tivemos o “Final de Semana de Construção Global”, onde eu e o Jetty, um dos alunos que é responsável por manutenção, tivemos que decidir tarefas que durariam todo o sábado e metade do domingo para 150 pessoas!!! Foi um grande mutirão. Onde todos os alunos e professores puseram a mão na massa, fazendo tarefas como: pintura de paredes, trocas de lâmpadas, consertos de tomadas, da rede de volei, podar as matabeiras, construir uma casa para o gerador, catar conchas para enfeitas as passagens da escola, cavar buracos para lixo, tapar buracos de lixo, limpar fossas e etc.
Quase fiquei louca! Pois eu era a responsável junto com outro estudante de distribuição das tarefas. Os estudantes se dividiram em micro grupos e cada micro grupo escolhia a tarefa que gostaria de realizar. Cada tarefa tinha uma pontuação e tarefa cumprida era sinal de “rabujados” (balas de caramelo, balas de frutas).

Brasil! Muito Brasil por aqui. Desde as havaianas, na maioria falsificadas, até bolachas, enlatados, roupas, brinquedos, camisolas (camisetas). Tudo! Muito Fábio Jr, Wando, Sandy e Júnior, José Augusto, Roberto Carlos e Roberta Miranda. Todos os lugares. Todas as novelas. Muita TV a cabo, mesmo em casas sem infra-estrutura. A “Malhação” passava aqui no canal Angolano mesmo, mas foi proibida pelo governo pois estava gerando comportamentos nada decentes aos jovens angolanos, segundo a explicação eles estavam se tornando rebeldes e liberais demais para os padrões sociais de Angola. Mas agora eles vêem através da TV a cabo.

Bom, por hoje é isso. Desculpem se o texto está meio embaralhado, mas como não tenho muito tempo para escrever, acabo escrevendo rapidinho…

Saudades do Brasil!

Tuesday, September 12, 2006

 

Notícias de Angola - Finalmente!



Cheguei! Dia 20 de agosto aterrisei em Angola. Medo, ansiedade.

Primeiras impressões foram boas. Nada muito além do que eu estava esperando. A vista, o mar, o por do sol são maravilhosos. A pobreza e a falta de infra-estrutura é visível em cada canto, em cada esquina. Não se pode fugir.

Meu projeto fica a 40 quilometros ao sul de Luanda. Fiquei empressionada, é muito melhor do que eu estava esperando! São 6 blocos de prédios. 4 deles são os dormitórios dos estudantes e onde eu vivo. 1 deles são os quartos dos professores e os outros 2 a assembleia (onde eles tem aulas, conferências, palestras), cozinha e salas de aula. Tem-se também uma biblioteca, mas não se tem praticamente nada de livros que possam ajudar em alguma coisa.


Não temos água corrente, mas existe um abastecimento semanal de água para a EPF (Escola Professores do Futuro), o projeto no qual estou voluntariando. Então, cada um tem seu balde, onde pegamos água necessária para banho, bebida, comida, tudo enfim! Banho de balde até que não é tão mal! Temos gerador de energia, que fica ligado entre as 7 da manhã e as 11 da noite. Mas, obviamente, às vezes falta água, o gerador quebra e por ai vai. Quando falta água não se pode cozinhar.

Café da Manhã é sempre o mesmo, a famosa PAPA (mingau de farinha de milho, bem doce).
Almoço também o mesmo, FUNJI com peixe seco ou com frango. Como sou vegetariana, para mim é FUNJI (é como a nossa polenta).
Jantar, para não deixar de ser diferente, também é sempre o mesmo: ARROZ COM FEIJÃO! Delícia.
Mas, por exemplo, a semana passada comemos funji com feijão durante uns 4 dias em ambas as refeições.

Por enquanto, meu trabalho tem sido dar aulas de inglês, tanto para o Colectivo 2005 quanto para o 2006. Além disso, dei aulas sobre o Brasil e sobre a Amazônia. Também estou dando aulas de inglês para o André, um menino que trabalha de cozinheiro. Tenho ajudado ele 3 vezes por semana.

Também ajudarei nas parcerias, para arrecadação de material e dinheiro para o projeto, provavelmete a partir desta quarta-feira. E darei aulas sobre HIV-Aids em parceria com um outro projeto que a organização tem que é o TCE (Total Controle da Epidemia). A Aids não tem grandes estatísticas aqui em Angola, mas as taxas vem crescendo bastante. Não existe essa preocupação com o uso da camisinha e até mesmo os professores tem medo de fazer o teste. Um deles é orgulhoso, pois já fez o teste 4 vezes! Quer dizer, em vez de fazer o teste, ser negativo e começar a se previnir. Também assisti uma aula sobre a Aids onde o professor falou que a camisinha deve ser usada “sempre que possível”, ao invés de enfatizar a obrigatoriedade. Principalmente aqui, onde é dito e sabido, que os homens tem mais de 2 ou 3 mulheres.

Tenho também me reunido com as meninas na tentativa de fazer um clube das mulheres para discutirmos assuntos que elas achem interessantes. Quiseram saber dos métodos contraceptivos, mas que não fosse a camisinha. Tentei explicar a importância do uso e do valor que a mulher deve se dar nas relações com o homem, mas para elas é difícil compreender. Se o homem não quer, o que se há de fazer? É ele quem manda. No próximo encontro falarei das DST e mostrarei algumas fotos e fatos sobre isso.

Também batem a minha porta, frequentemente. É difícil conseguir 5 minutos sozinha. Querem saber tudo, ver meu quarto, fotos. Também virei doutora! Todos vem a mim para perguntar o que pode ser essa dor aqui, aquela dor ali, se alguém está doente eles me chamam. Teve até uma menina que estava com malária e queria que eu aplicasse as injeções! Ainda bem que trouxe o livro “Onde não há médicos”, é muito bom e fácil de se usar e compreender.


Tivemos a abertura oficial do colectivo 2006. Eles cantaram, fizeram teatro, dança. Foi bonito. No final teve o batismo, onde a turma de 2005 deu para eles uns bolinhos feito com sal, áçucar e gindungo (pimenta) e colocam água e fubá na cabeça deles.


Ainda não vi muita coisa do país, praticamente só fiquei no projeto, o que também não é mal, pois estamos em frente ao mar, com um manguezal e rodeados por imbundeiros (baobás). Já fui para as vilazinhas perto do projeto – Ramiro e Palmeirinhas, onde podemos ir a pé, ficam a 5 e 3 quilometros respectivamente do projeto.

Tempo finito. Agora a Internet estará mais acessível e poderei atualizar o blog uma vez por semana. Aguardo a visita.

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