Um diario, tentando expressar sensacoes, pensamentos. Sentimentos tentando ser traduzidos. Textos, vida, diário, poesia. Um pouco de mim.
No dia 2 de Dezembro, eu e o Iwan fomos convidados a jantar na casa da Quena, a mulher que mora na vila do Ramiro e que nos vende pilinhas.
Foi muito boa a experiência, tanto culinária quando do ponto de vista de se estar inserido dentro do contexto de uma família angolana típica.
A família veio de Bié, região do Central de Angola, fugindo da guerra. Se instalaram em Viana, nos arredores de Luanda e por causa do trabalho do marido se mudaram para a Vila do Ramiro.
Eles são um casal com 5 filhos, o mais velho 14 anos e o mais novinho 2 aninhos. A Quena tem 33 anos e o Francisco, o marido, tem 36 anos. Ela cuida da casa, dos filhos, faz doces e vende coisinhas (farinha de milho, de mandioca, bebida, leite em pó). Ele é professor, mas só está trabalhando uma vez por semana. “Mas, o que você faz nos outros dias?”, pergunto. Ele responde: “Durmo”. Agora ele está de férias.
Então, basicamente é isso, a Quena trabalha 7 dias por semana, não para um minuto!!! E o marido sentado no sofá, pedindo: “Quena, põe vela no banheiro”, “Quena, essa cerveja está quente”, “Quena, quando é que a comida fica pronto”. Incrível!!!
Ela com a criança amarrada no lombo, cozinhando, correndo de um lado a outro, dando comida para o outro filho, cozinhando, lavando, e o maridão no estilo “Eta, vida boa meu Deus!”
A comida estava um arraso! Comemos quissaca (refogado de folha de mandioca), caxopa (milho branco com feijão – leva carne também mas ela fez estilo vegetariano por minha causa! Fofa!), fungi de bombo com fungi de milho (é uma polenta feita com farinha de mandioca e com farinha de milho). Tomamos gasosas (refrigerante) e cervejinhas.
Os filhotes muito fofos, só estavam o Vinguela e o Luquinha, de 4 e 2 aninhos.
Bom, no final, como era tarde, dormimos lá. A Quena muito feliz com a nossa presença, não deixou que ajudássemos em nada!!! Nem com um dinheiro para ajudar nas despesas. Levei algumas roupas que eu tinha aqui para doar e material de pintura para as crianças.
O único episódio da noite que foi um pouco constrangedor e irritante para mim, foi a Sandra, uma amiga de Quena, que chegou para uma visita e conversa vai, conversa vem, falou: “Quando você for embora de Angola, você tem que deixar todas as suas roupas aqui, só vai com a roupa do corpo.” Fiquei meio sem jeito, meio sem graça, dei uma risada meio amarela e deixei passar. Mas, ela ainda repetiu mais umas duas vezes ao longo da sua estadia na casa da Quena. Na última vez eu perguntei: “E daí? Eu fico sem roupa?” Ela disse: “Ah! Lá você arranja mais”.
Realmente me incomodou. Mas, é comum aqui. Tudo pedem, tudo querem. Sem cerimonias, sem vergonhas. Talvez eu esteja errada, talvez eu devesse dar tudo o que tenho. Não sei, às vezes é difícil. Mas acho que saber falar “não” é importante, até porque muitas vezes eles nem sabem o que estão pedindo. É só pelo fato de estar nas minhas mãos.
Mas a Quena! Uma mulher maravilhosa, um coração de ouro, filhos lindos. Ela está tentando construir uma vendinha para comercializar os produtos. Trabalhadora, lutadora. E nos chama de “meus filhos”.