Embaixo do céu de Angola

Um diario, tentando expressar sensacoes, pensamentos. Sentimentos tentando ser traduzidos. Textos, vida, diário, poesia. Um pouco de mim.

Friday, October 06, 2006

 

Impressões






É triste, é realmente triste a situação aqui em Angola. Percebe-se uma euforia pela paz que parece ter se instaurado definitivamente, misturada com um certo medo de que não seja verdade.

Percebo um certo individualismo entre as pessoas, entre os estudantes, entre os angolanos em geral. Parece que estão apenas preocupados com o seu mundo particular e não se interessam pelo outro, que está próximo, ou pela situação do país, se não estiverem sendo diretamente afetados. Mas as crianças, o que dizer delas? Tivemos um evento no domingo e as crianças vieram e teve gincana, as que ganhavam balas, às vezes uma bala, dividiam em 2, 3, 4 partes para dar aos amiguinhos. Emocionante.

Quando ouve um período de paz, em 1992, houve um momento de grande esperança e solidariedade entre as pessoas. A população angolana estava certa da paz alcançada e começou a reconstruir a sua vida. Durou por volta de 1 ano e meio. A guerra voltou mais mortal e destruidora do que nunca, minou esperanças, destruiu sonhos, separou famílias.

Agora, com a paz novamente, as pessoas parecem que se tornaram temerosas de olhar o outro e descuidar dos seus, de pensar em outros problemas que não sejam os próprios. Ás vezes é difícil entender como conseguir um desenvolvimento se a própria população não percebe que o momento agora é de união. Como eles cantam aqui na EPF:

“Vamos dar as mãos
É tempo, é tempo de união
Todo aquele que se une, permanece
Vamos dar as mãos”.

Vê-se sempre a melancolia nos olhares, nos olhares de adultos e crianças, de homens e mulheres, de meninos e meninas. Uma melancolia triste, sentida, sofrida.
Aqui a média de filhos por família é de 6 a 8 crianças. Por que? Porque se alguns morrerem por guerra ou por doença, ainda sobram outros. Como lidar com uma realidade assim? Os jovens aqui da escola, maiores de 20 anos, tem marcas pelo corpo. Marcas da época em que eram sequestrados pelos exércitos para servirem de reféns, de tropa, de escudo, de carregadores. Cicatrizes de cortes, de balas, de queimaduras.

Conversando com um deles descubro que foi sequestrado quando tinha 14 anos e ficou por dois anos sob a guarda da UNITA. Eram reféns de guerra. Eram maltratados. Os maiores de 18 anos eram perguntados se queriam se juntar a tropa. Se sim seriam treinados, se não seriam mortos. O irmão dele de 18 anos preferiu a morte. O outro de 17 tentou fugir e foi morto pelas costas. A irmã que era pequena, o pai conseguiu pagar para leva-la a um lugar seguro. Ele me disse que as meninas sequestradas sofriam muito, eram estupradas, serviam de objeto sexual. Me disse que um dos soldados da UNITA resolveu ajuda-los a fugir, eram 220 adolescentes. 100 morreram pelo caminho, por causa das minas explosivas, por causa de fome, de sede e alguns que resolveram voltar para a UNITA e foram mortos. É duro, é triste.

Todos têm celular, gastam fortunas por mês aqui na escola. No mínimo cem dólares é a média. Uma média alta para um país que tem 70% da sua população vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, com menos de dois dólares por dia. Mas os estudantes precisam ter a comunicação com suas casas, sempre tem alguém que está doente ou que morreu. Sempre.

Também aqui em Angola, muito raro ouve-se as palavras “Por Favor” e “Obrigada”. Não se falam. E pedem tudo! Me dá 100 kwanzas, me dá essa camiseta do Brasil, me paga isso, me paga aquilo, me dá pilha. Às vezes me sinto invadida, às vezes não sei como agir. É difícil, sociedade onde o branco é sempre rico ou o que o branco tem é o que é valorizado. Eu e o Iwan nunca passamos desapercebidos, nunca! No dia em que fomos ao Benfica (mercado aberto) estávamos a pé. Pessoas paravam para saber se estava tudo bem, se tinha acontecido alguma coisa. Dois brancos andando a pé no meio da rua? Nunca! Isso já faz uma semana, mas fomos notados por várias pessoas que conhecemos, no Ramiro, nas Palmeirinhas, na escola, muitos nos viram no Benfica. “Ah! Vi vocês no Benfica. Vocês estavam a pé!”

Não se valorizam aqui as coisas da terra, a cultura da terra. É uma grande fonte de influência internacional. Os únicos produtos alimentícios que eu achei por aqui de fabricação angolana são cigarro, cerveja e refrigerante. Palmas para o refrigerante de Ananás com Coco! Muito bom! Mas o resto são todos importados. Muitos do Brasil e da Argentina. Mas também da Holanda, da África do Sul, Namíbia, Portugal. E muitos que não precisam de geladeira, incluindo margarina, iogurte, queijo.

Novelas! Muitas brasileiras. Agora estão passando a novela “Gabriela”. Quando falo meu nome eles dizem “Ah! Igual a da novela!”. Isso, igual a da novela. E Também 10 entre 10 angolanos que eu conheci, me falaram que o sonho deles é ir para o Brasil. Por que? Porque na novela mostra um Brasil lindo e rico, com um povo lindo e muito feliz.
Que influência trazemos para este povo, que troca suas raízes e cultura, em nome de uma propaganda mal feita de um país que também passou pelas mãos dos Portugueses mas, segundo eles, deu certo?

Tenho ficado a pensar esses últimos dias, na situação de Angola, no modo de agir do povo angolano. Como ser útil? Tenho me perguntado se o que estou fazendo, ou tentando fazer, é certo. Vir aqui e talvez prejudicar em vez de ajudar. Que contributos posso dar a uma sociedade que tenta se reconstruir de uma situação da qual eu nunca vivi. Que contributos posso dar se o que para mim pode ser errado, para eles é a realidade. O que posso fazer quando ouço: “Gabriela, aqui não é o Brasil, aqui é Angola”. Às vezes, fico perdida, fico irritada, fico frustrada.

Mas continuo aqui, na tentativa de entender melhor, de conhecer melhor, de me inserir melhor no contexto dessa sociedade que tem um passado sofrido, mas um futuro cheio de esperanças e novas expectativas. Nesse país colorido, com adultos e crianças lindos, com mulheres batalhadoras. Nesse país tentando aprender a andar sozinho.

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