Embaixo do céu de Angola

Um diario, tentando expressar sensacoes, pensamentos. Sentimentos tentando ser traduzidos. Textos, vida, diário, poesia. Um pouco de mim.

Thursday, October 26, 2006

 

Educação, um grande problema


É tão complicado o sistema educacional aqui em Angola. Às vezes me dá a impressão que irá demorar por volta de 100 anos para podermos ver uma mudança significante no nível da educação no país.

Até 1950 a educação era restrita para as áreas urbanas de Angola e os africanos tinham acesso a ela através das Igrejas Católica e Protestante.

O que já era ruim tornou-se ainda pior após a Independência em 1975. Os professores portugueses acabam deixando Angola para retornarem a Portugal. Além disso, inicia-se a guerra civil com o partido do poder MPLA e o partido da oposição UNITA. Essa guerra acarreta a destruição de escolas e limitação de materiais escolares. O sistema educacional estava um caos com a taxa de analfabetismo girando em torno de 85-90%.

Em 1976 o governo lança uma campanha de alfabetização com o foco voltado principalmente para as áreas rurais e convoca todas as pessoas que são alfabetizadas para serem os professores.

O governo prioriza os ensinos primário e secundário. Nessa época o país passa a contar com 25.000 professores primários, mas apenas 2.000 eram minimamente qualificados. No secundário o número de professores era de aproximadamente 600.
O governo lança uma campanha de educação básica gratuita e compulsória para todas as crianças entre 7 e 15 anos.

Entre Novembro de 1976 e Novembro de 1977, cento e duas mil pessoas foram alfabetizadas e em 1980 esse número subiu para um milhão. Por volta de 1985 a taxa de alfabetização girava em torno de 59%.

Além disso, através de uma cooperação com Cuba e União Soviética (países que apoiavam o governo do MPLA) o governo angolano passa a mandar para esses países alguns estudantes. Em 1987 por volta de 4.000 estudantes e 27 professores foram a Cuba e em 1988, 1.800 foram mandados para a União Soviética.

A UNITA continua atacando escolas e professores o que acaba impedindo a construção de novas escolas e impede também a formulação de um novo sistema educacional.
Em 1988 o governo gasta muito mais em artefactos militares do que na educação.

Para retratar um pouco o que significava esses ataques da UNITA as escolas, existe aqui a história que aconteceu com uma das EPFs, a que está sedeada em Caxito, na província do Bengo, a 60 quilômetros a norte de Luanda. Essa EPF é no mesmo espaço aonde existe também o projeto “Cidadela das Crianças, voltado para crianças órfãs ou perdidas dos pais por causa da guerra.

A UNITA entra nessa escola, rapta todas as crianças da Cidadela, os estudantes da EPF conseguem escapar e acaba matando na frente de todos um dos professores. Falam para os voluntários (brancos) que estavam também trabalhando lá que eles deveriam ir embora que essa guerra não era deles.

O que eles iriam fazer com as crianças? Eles serviriam de escudos, ou seja, seriam os primeiros “homens” numa frente de batalha, assim o outro exército descarrega as armas nessa primeira fila, e os soldados podem atacar mais facilmente. As meninas acabam virando as “esposas”. Além disso, sofriam maus-tratos e humilhações para servirem de exemplos a outras crianças. Atentemos para o detalha que não era apenas a UNITA que usava essa tática, o MPLA agia da mesma maneira, pois nos lugares onde a UNITA dominava também existiam escolas, construidas e lideradas pela UNITA, então o MPLA usava das mesmas táticas.

Felizmente, a ADPP (ONG a qual esses projetos estão ligados) fez barulho nas rádios e no governo e essas crianças foram recuperadas uma semana depois. Estavam já no norte do país, fizeram o caminho a pé pelo meio da mata.

Hoje a taxa de alfabetização é de 66.8%, sendo que 82,1% corresponde aos homens e apenas 53,8% as mulheres. E a grande preocupação ainda é a educação. O nível dos estudantes é baixíssimo, aqui na EPF eles correspondem a estudantes que estariam no secundário. Muitos tem erros básicos de português, não conseguem fazer uma conta simples de matemática. E serão professores primários dentro em breve.

Mas, todos me dizem, e eu vou tentar comprovar, que aqui na EPF o nível do estudo e o nível que os estudantes adquirem é muito melhor do que nas escolas normais. Além disso, não existe aqui os “favores” a que os estudantes são submetidos para conseguirem passar nos exames. Esses favores são dinheiro e sexo maioritariamente.

Mas como achar pessoas minimamente qualificadas se as dificuldades de ensino ainda tem raízes muito fortes nesse passado tão sofrido e tão recente? É preciso lutar com o que se tem e tentar fazer com que os estudantes vejam a necessidade de um fortalecimento no seu próprio ensino para que se pare esse ciclo vicioso.

Em certas ocasiões penso que nada que eu diga ou faça ajudará a mudar nada. Desânimo e falta de motivação. As pessoas aqui parecem não ver essa realidade, pois na verdade é a única que conhecem, o que a torna normal. E também eles sempre me lembram:
“- Gabriela, aqui não é o Brasil, aqui é Angola!”. Claro, tento argumentar a importância que eles terão no futuro do país, que o papel que exercerão será de fundamental importância para o destino do país. Se eles me ouvem, me entendem, não sei.

Wednesday, October 11, 2006

 

Renovando as baterias...








Final de semana, Iwan e eu decidimos fazer algo diferente. Vamos para o Buraco? Vamos. Convidamos alguns estudantes, que disseram que iriam, mas não apareceram. Fomos os dois. Destino: Buraco.

O Buraco é uma praia que se vê de Ramiro, a vilazinha que fica a 4 km da escola. Mas para chegar lá só há duas possibilidades, a seca e a molhada, ou seja, atravessando o mangue numa linha reta ou contornando toda a península. Decidimos pela segunda opção, a seca.

Saímos às 17 horas no sábado, andamos 6 km e paramos para dormir na praia. Existem umas cabaninhas de palha, que são alugadas para os turistas que querem se esconder do sol, dormimos embaixo de uma delas.

Dia seguinte de manhã, matabixamos e começamos a caminhada para o Buraco. Andamos durante toda a manhã para chegar lá. O caminho é muito bonito, tem coqueiros, tem o mangue, tem uma certa melancolia nas casas abandonadas, nas carcaças de carros.

Aqui em Angola é incrível o número de carros ou suas carcaças abandonados nos cantos das estradas, nas ruas. Comecei a tirar fotos de todos que encontro. Vou fazer uma exposição quando chegar ao Brasil (rs). Também casas abandonadas, casas que estavam sendo construídas, grandes, bonitas até, mas completamente abandonadas.

Chegamos ao Buraco, uma vila bem simples de pescadores, com mais ou menos 1200 habitantes. Casas de palha, vários barcos, a água para beber é do mangue, ou seja, salubre.

Encontramos uma ex-aluna da EPF, Selma. Ela foi da primeira turma, da escola onde eu estou voluntariando, em 2000. Na verdade ela iniciou o curso na escola de Caxito, a 60 km ao norte de Luanda, mas houve um ataque da UNITA, onde eles levaram todas as 60 crianças da “Cidadela das Crianças”(projeto da organização com crianças órfãs) e mataram um professor ali, na frente de todos. Graças a Deus, todas as crianças foram recuperadas 2 meses depois, em Uíge, que fica no Norte do país. Fizeram o percurso todo a pé.

Mas voltando a Selma. Ela nos contou o quão importante foi a educação que ela teve na EPF e que aprendeu lá que homens e mulheres tem os mesmos direitos. Disse que no começo o marido ficava bravo quando chegava em casa e ela já tinha pregado quadros ou trocado lâmpadas, pois isso é trabalho de homem. Atualmente trabalha como professora primária, pois acredita que se deve investir na educação para que Angola cresça socialmente. Fiquei muito feliz em tê-la encontrado e ver que realmente há pessoas com um interesse na sociedade em geral e no desenvolvimento de Angola.

O mar no Buraco é lindo, grande, a praia é extensa. Pescadores trabalhando, crianças correndo. Muito bonito.

Iniciamos a caminhada da volta e paramos em uma das casas abandonadas para comer, e depois andamos, andamos, andamos. Foram um total de 24 km. Chegamos de volta as 17 horas do domingo.

Foi realmente uma sensação de paz, de cansaço bom. Uma espairecida e mudança do cotidiano, renovação.

Friday, October 06, 2006

 

Domingo Aberto












Tivemos, no dia 1º de Outubro, um “Domingo Aberto”. Evento que se realiza na escola e onde é chamada a comunidade, parceiros e amigos para participarem. Muitas crianças compareceram e tivemos apresentações de teatro, dança e música organizados pelos estudantes. A seguir, alguns momentos…

 

Impressões






É triste, é realmente triste a situação aqui em Angola. Percebe-se uma euforia pela paz que parece ter se instaurado definitivamente, misturada com um certo medo de que não seja verdade.

Percebo um certo individualismo entre as pessoas, entre os estudantes, entre os angolanos em geral. Parece que estão apenas preocupados com o seu mundo particular e não se interessam pelo outro, que está próximo, ou pela situação do país, se não estiverem sendo diretamente afetados. Mas as crianças, o que dizer delas? Tivemos um evento no domingo e as crianças vieram e teve gincana, as que ganhavam balas, às vezes uma bala, dividiam em 2, 3, 4 partes para dar aos amiguinhos. Emocionante.

Quando ouve um período de paz, em 1992, houve um momento de grande esperança e solidariedade entre as pessoas. A população angolana estava certa da paz alcançada e começou a reconstruir a sua vida. Durou por volta de 1 ano e meio. A guerra voltou mais mortal e destruidora do que nunca, minou esperanças, destruiu sonhos, separou famílias.

Agora, com a paz novamente, as pessoas parecem que se tornaram temerosas de olhar o outro e descuidar dos seus, de pensar em outros problemas que não sejam os próprios. Ás vezes é difícil entender como conseguir um desenvolvimento se a própria população não percebe que o momento agora é de união. Como eles cantam aqui na EPF:

“Vamos dar as mãos
É tempo, é tempo de união
Todo aquele que se une, permanece
Vamos dar as mãos”.

Vê-se sempre a melancolia nos olhares, nos olhares de adultos e crianças, de homens e mulheres, de meninos e meninas. Uma melancolia triste, sentida, sofrida.
Aqui a média de filhos por família é de 6 a 8 crianças. Por que? Porque se alguns morrerem por guerra ou por doença, ainda sobram outros. Como lidar com uma realidade assim? Os jovens aqui da escola, maiores de 20 anos, tem marcas pelo corpo. Marcas da época em que eram sequestrados pelos exércitos para servirem de reféns, de tropa, de escudo, de carregadores. Cicatrizes de cortes, de balas, de queimaduras.

Conversando com um deles descubro que foi sequestrado quando tinha 14 anos e ficou por dois anos sob a guarda da UNITA. Eram reféns de guerra. Eram maltratados. Os maiores de 18 anos eram perguntados se queriam se juntar a tropa. Se sim seriam treinados, se não seriam mortos. O irmão dele de 18 anos preferiu a morte. O outro de 17 tentou fugir e foi morto pelas costas. A irmã que era pequena, o pai conseguiu pagar para leva-la a um lugar seguro. Ele me disse que as meninas sequestradas sofriam muito, eram estupradas, serviam de objeto sexual. Me disse que um dos soldados da UNITA resolveu ajuda-los a fugir, eram 220 adolescentes. 100 morreram pelo caminho, por causa das minas explosivas, por causa de fome, de sede e alguns que resolveram voltar para a UNITA e foram mortos. É duro, é triste.

Todos têm celular, gastam fortunas por mês aqui na escola. No mínimo cem dólares é a média. Uma média alta para um país que tem 70% da sua população vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, com menos de dois dólares por dia. Mas os estudantes precisam ter a comunicação com suas casas, sempre tem alguém que está doente ou que morreu. Sempre.

Também aqui em Angola, muito raro ouve-se as palavras “Por Favor” e “Obrigada”. Não se falam. E pedem tudo! Me dá 100 kwanzas, me dá essa camiseta do Brasil, me paga isso, me paga aquilo, me dá pilha. Às vezes me sinto invadida, às vezes não sei como agir. É difícil, sociedade onde o branco é sempre rico ou o que o branco tem é o que é valorizado. Eu e o Iwan nunca passamos desapercebidos, nunca! No dia em que fomos ao Benfica (mercado aberto) estávamos a pé. Pessoas paravam para saber se estava tudo bem, se tinha acontecido alguma coisa. Dois brancos andando a pé no meio da rua? Nunca! Isso já faz uma semana, mas fomos notados por várias pessoas que conhecemos, no Ramiro, nas Palmeirinhas, na escola, muitos nos viram no Benfica. “Ah! Vi vocês no Benfica. Vocês estavam a pé!”

Não se valorizam aqui as coisas da terra, a cultura da terra. É uma grande fonte de influência internacional. Os únicos produtos alimentícios que eu achei por aqui de fabricação angolana são cigarro, cerveja e refrigerante. Palmas para o refrigerante de Ananás com Coco! Muito bom! Mas o resto são todos importados. Muitos do Brasil e da Argentina. Mas também da Holanda, da África do Sul, Namíbia, Portugal. E muitos que não precisam de geladeira, incluindo margarina, iogurte, queijo.

Novelas! Muitas brasileiras. Agora estão passando a novela “Gabriela”. Quando falo meu nome eles dizem “Ah! Igual a da novela!”. Isso, igual a da novela. E Também 10 entre 10 angolanos que eu conheci, me falaram que o sonho deles é ir para o Brasil. Por que? Porque na novela mostra um Brasil lindo e rico, com um povo lindo e muito feliz.
Que influência trazemos para este povo, que troca suas raízes e cultura, em nome de uma propaganda mal feita de um país que também passou pelas mãos dos Portugueses mas, segundo eles, deu certo?

Tenho ficado a pensar esses últimos dias, na situação de Angola, no modo de agir do povo angolano. Como ser útil? Tenho me perguntado se o que estou fazendo, ou tentando fazer, é certo. Vir aqui e talvez prejudicar em vez de ajudar. Que contributos posso dar a uma sociedade que tenta se reconstruir de uma situação da qual eu nunca vivi. Que contributos posso dar se o que para mim pode ser errado, para eles é a realidade. O que posso fazer quando ouço: “Gabriela, aqui não é o Brasil, aqui é Angola”. Às vezes, fico perdida, fico irritada, fico frustrada.

Mas continuo aqui, na tentativa de entender melhor, de conhecer melhor, de me inserir melhor no contexto dessa sociedade que tem um passado sofrido, mas um futuro cheio de esperanças e novas expectativas. Nesse país colorido, com adultos e crianças lindos, com mulheres batalhadoras. Nesse país tentando aprender a andar sozinho.

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